domingo, 10 de janeiro de 2010

Suco de sururucu
Diga lá, Jacu
Cutia, comadre
Posta de pirarucu
Diga lá, Caju
Barata cascuda
Gruta de viúva negra
Caranguejeira
Saúva, coruja
Rastro de jararucu
Jararacoral
Piranha, calunga
Diaba de banda retrai
De carataí
Traíra de dente de dá
E cada dentada que dá
Cascudo, cará
Pururú, juruá
Mordida no maracujá
De cobra criada no mar
Chocalha no cadê você
Sussurra no bote que dá
Curare de cobra
Suga e sai
Picada de cobra
Amor, não dói

(João Bosco / Paulo Emilio)

Porque há cobras e cobras nesse mundo, ô, meu!... Há que se saber distinguir, por exemplo, uma jiboia de uma sucuri. Eu fico com a malemolência inofensiva da jiboia (adoro!!!)...

sábado, 5 de dezembro de 2009

A levitação de Clarice
Affonso Romano de Sant’Anna
Um dia Clarice liga dizendo que aceitou dar um depoimento no Museu da Imagem e do Som, mas fazia questão que Marina e eu fôssemos os entrevistadores. Eu a conheci em 1962 quando ela foi a Belo Horizonte lançar A maçã no escuro, na livraria Francisco Alves, e o gerente da livraria o professor Neif Safady convidou-me, eu ainda estudante de Letras, para fazer uma espécie de discurso de apresentação dela. Lembro-me da primeira visão que tive daquela linda e consistente mulher no hall do Hotel Normandy. Estranhamente, tinha só meia dúzia de pessoas no lançamento. Depois disto fomos jantar num restaurante chinês e me lembro de que Ivan Ângelo estava conosco. E como seguíssemos durante a sobremesa falando de A maçã no escuro o garçom nos interrompeu constrangido explicando que a maçã estava meio escura, mas não estava estragada.
O convite para aquela entrevista no MIS, que ocorreu um ano antes de sua morte, era um pacto de amizade. Essa relação afetiva já havia sido demonstrada quando ela dedicou “A galinha Laura” a nossa filha Fabiana. Clarice sabia que nós não a ameaçávamos, antes a protegíamos. O que ela estava pedindo era abrigo e compreensão para se abrir. E foi tudo natural. Não quisemos fazer uma entrevista acadêmica, pedante, “inteligente”, mas criar um ambiente em que ela se sentisse à vontade. E ela estava particularmente feliz naquele dia, sorrindo várias vezes. Atendíamos ao pedido da amiga sem pensar que essa entrevista, hoje traduzida e amplamente divulgada, seria uma peça rara e fundamental ao entendimento de sua extraordinária obra.
Se eu tivesse um diário e paciência para anotar, quanta coisa, quanta conversa, piada e brincadeira teria salvo do oblívio. Mas posso me lembrar do interesse dela quando soube que tínhamos uma cartomante incrível lá no Méier. Tanto Clarice fez que a fomos buscar no seu apartamento uma manhã e a levamos à dona Nadir. Resultado: dona Nadir entrou para a história da literatura brasileira, virou Fernanda Montenegro, a cartomante de A hora da estrela. Clarice ficou freguesa de dona Nadir.
A meu convite ela foi várias vezes à PUC-RJ quando dirigi o Departamento de Letras e Artes. Tenho aqui as fotos dela assistindo a alguns dos desafiadores encontros nacionais de professores de literatura que organizamos nos anos 70. Lembro-me daquele em que Luiz Costa Lima e José Guilherme Merquior debatiam trocando hermetismos teóricos, quando Clarice, de repente, levantou-se e foi embora. Fiquei preocupado. Nélida a acompanhou. Telefonei-lhe depois. E ela: “Aquela discussão incompreensível foi me dando uma fome que cheguei em casa e comi um frango inteiro.”
Na PUC, quando lá dirigi o Departamento de Letras e organizei um curso de criação literária, Clarice foi e falou sobre sua obra. Imperdoável não se ter gravado seu depoimento. Era um clima tenso, especial. Os alunos, temerosos de perguntar, como se ela fosse sangrar a cada pergunta. E sangrava mesmo. Ou, então, ria, como ocorreu num curso sobre ela dado pelo prof. Amarylis Hill em que estavam todos tantalizados sem saber o que lhe dizer, e eu então, para quebrar o gelo, perguntei: “Clarice, você acha que 2 e 2 são 4?” (Naquele tempo cantava-se com Gal “tudo certo como 2 e 2 são cinco”, e era ditadura). Sorrindo, ela disse que aquilo lembrava a piada sobre qual era a diferença entre o neurótico e o psicótico. O psicótico, que já extrapolou a realidade, diz: 2 + 2 são 5. O neurótico diz 2+2 são 4, mas eu não agüento.
Já contei, Marina já contou, que um dia ela nos cobrou que não a convidávamos para jantar. Não o fazíamos por pudor. Mas tendo ela manifestado o desejo armamos um jantar onde ela escolheria todos os convidados. Até o horário era cedo, como ela queria. Fui buscá-la em sua casa. Pois ela chegou, viu aqueles amigos todos, mas daí a uns 15 minutos fez um pedido que era uma ordem: “Quero ir embora.” Levei-a de volta à sua solidão. E os amigos compreenderam.
Fui visitá-la em seus últimos dias naquele hospital da Lagoa. Olga Borelli que a acompanhava disse que ela não permitia que homens a visitassem ali, eu era exceção. Fiquei ao lado de seu leito tentando uma leveza impossível.
Otto Lara tinha razão. Com Clarice ocorre o fenômeno de possessão. Quem se aproxima de sua obra é devorado por ela. Quando dirigi a Biblioteca Nacional e minha ex-aluna Ester Schwarz pediu para reunir lá a Sociedade das Amigas de Clarice, concordei. Ali, umas 30 clariceanas. Quando minha chefe de gabinete passou por elas, sentiu que havia em suspensão algo estranho. Veio à minha mesa, e disse: “O que é aquilo? O clube do lexotan?”
Ela tinha captado o clima. Leitores de Clarice vivem em outra dimensão. E sou capaz de reconhecer uma leitora de Clarice a cinqüenta metros de distância, porque, como Clarice, ela não anda, vive em denso estado de levitação.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Essa menina, essa mulher, essa senhora
Em quem me esbarro a toda hora
Num espelho casual
É feita de sombra e tanta luz
De tanta lama e tanta cruz
Que acha tudo natural

"Essa Mulher", do álbum "Essa Mulher". Acho que é da Joyce ou da Sueli Costa... O que importa é que a voz é dela. A voz dessa canção sempre será dela. Dormir, perto das 02:08, como quando tinha 17. Cigarro e essa mulher na cabeça.

sábado, 26 de setembro de 2009

Para Eveline Costa

Apareça e cresça, viu? Dois é mais que um em qualquer lugar desse mundo! :)))

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

“Pra que serve a gente ser feliz?” (Macabéa, A Hora da Estrela, Clarice)
"Felicidade pra quê?" (Abujamra parafraseando Clarice)

Delícia, Abú! Menos palatável porque "outra sintaxe"; mais semântico porque menos palatável! E assim vamos aproveitando as aulas de Teoria da Literatura...

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Foi uma bala pra cada uma.
A casa é grande. São três pessoas pra cuidar dela. Eu, hoje, tive de ficar sozinha na "sala principal". Eu, O Lustre (não o da sala, o da Clarice mesmo, em formato e-book), o MSN, o orkut e meu blog.
Não sei, não sei... O que eu faço com isso tudo?
A sensação é, afinal, boa. Casa e escritório ao mesmo tempo - o que é diferente de escritório e casa ao mesmo tempo. Um café na cozinha, uma conversa; um cigarro lá fora, mais um café. E a vontade de levar uma bala com papel rosa-choque pra cada uma.
É esse aconchego que me faz lembrar que o universo dá conta de tudo. Escolhi ter um emprego, mas hoje tenho bem mais que isso.
Tem sido um bom momento este que estou a viver. Iniciei uma fase em que me pretendo funcionar, acima de qualquer coisa, como uma peça do quebra-cabeças que o cosmos joga, e estou pagando pra ver no que dá.
Porque a questão surge assim: deu errado porque eu não percebi a tempo que sou mais PEÇA do que JOGADOR?
E eu só vou saber mesmo se conseguir usar aquela coragem... Sim, aquela mesma coragem que antes me impelia ao controle. Dessa vez, vou ver se consigo usá-la para me entregar ao universo. Por que não? Por que não viver o solto? O leve? O indeterminado? O sabe-se-lá-o-que-pode-acontecer?
Esse espaço é uma benção pra mim. Me devolve uma segurança que eu perdi. Uma sensação de acolhimento que não consigo atingir sequer na casa da minha mãe, onde passei a viver. E é muito por conta disso, dessa vontade de estender a mão e entregar uma bala pra cada uma delas.
O meu dentro é também isso: dividir, compartilhar, pertencer. Respeitar, cuidar e amar. E, sobretudo... escrever sobre isso.
Vou precisar de várias postagens para dar conta desse "sobretudo". Eu não quero que ele me atrapalhe mais.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Literatura é forma e conteúdo ao mesmo tempo, é evidente! Mas uma reflexão breve em cima disso nos leva a enxergar que o conteúdo, antecedendo a forma, é, digamos, a matéria prima do fazer literário. Hoje, por exemplo, eu já não deixaria mais de mostrar as pequenas coisas que viesse a escrever por medo de não poder encaixá-las em uma estética. Penso que meus escritos são, antes de mais nada, o meu poder de sentir e observar as coisas. Certamente que minhas escolhas em termos de procedimento estético podem me aproximar mais de uma escola do que de outra, e tals, mas, antes de mais nada, o que grita é a necessidade de dizer, e não a maneira como deve ser dito. As duas coisas se encaixam só depois, aos poucos. Nessa medida, o fazer literário em sua plenitude se caracteriza sempre depois. Não que a forma cumpra papel secundário, mas aparece, de fato, apenas num segundo momento, seja na história ou no processo criativo de cada escritor.

Pra comu TEORIA DA LITERATURA, Tópico: Forma ou Conteúdo? (Forma: porque depois de Homero tudo já foi dito OU Conteúdo: porque escrevo pra registrar o que eu sinto)